Exigente e imaginativo, confessa que, ainda hoje, primeiro inventa o nome dos pratos e só depois pensa como é que os vai trabalhar, testando e ensaiando várias versões até se sentir satisfeito com o resultado final. Presenteia-nos com cozinha do dia, de raízes nortenhas e concebida à sua imagem e semelhança: só faz aquilo que realmente gosta de comer (e, admite, gosta de quase tudo) mas, principalmente, o que lhe apetece experimentar naquele dia em particular.
Começou por receber os primeiros comensais tinha 7 ou 8 anos, familiares e amigos de recolher mais tardio e que iam ficando, noite adentro, no casarão familiar à espera das ceias habituais com que os costumava brindar. Fazia-lhes ovos, muitos ovos, mas sempre apresentados nas mais variadas versões – mexidos, estrelados, cozidos, com tomate ou outros ingredientes cada vez mais criativos. Os amigos aplaudiam e a família achava graça, mas não o suficiente para considerar que o gosto pela cozinha podia ser mais do que uma mania e evoluir para uma profissão respeitável.
Na alta burguesia portuense da década de 1960, ser chefe de cozinha não era comum nem tradicional, simplesmente não se usava. O quarto filho de um administrador de empresas e de uma dona de casa, nado e criado no Porto, Pedro Amaral Nunes adiou o sonho de ter o seu próprio restaurante para ir trabalhar para a empresa do pai, onde durante quase uma década foi um comercial empenhado na venda de tractores e retroescavadoras.
Só aos 30 anos, já casado e com um filho, é que decide largar a empresa familiar e arriscar a concretização da sua ambição de infância: um espaço seu onde pudesse dar largas ao seu temperamento extrovertido, recebendo clientes e amigos, e oferecendo-lhes aquilo que então considerava ser o conceito a seguir – um misto de pratos da cozinha tradicional portuguesa, mas confeccionados de forma criativa, com algumas receitas espanholas, uma influência que ainda hoje marca o seu trabalho.
O São Gião, o restaurante que lhe deu fama e se transformou na sua imagem de marca, abre em 1987 num sítio improvável, em Moreira de Cónegos, próximo de Guimarães e a pouco mais de meia hora do Porto, mas nem por isso teve menos sucesso. Passado um primeiro ano de muita “inexperiência e asneira”, Pedro Nunes resolve dispensar o cozinheiro que contratara e agarrar-se aos tachos e panelas (quase sempre de cobre e barro), investindo cada vez mais nas suas criações. Desiste das “espanholadas” de que muito gostava – paelhas e afins – mas que pouca aceitação haviam tido, e aposta numa cozinha “do dia”, de raízes nortenhas e concebida à sua imagem e semelhança: só faz aquilo que realmente gosta de comer (e, admite, “gosta de quase tudo”) mas, principalmente, o que lhe apetece experimentar naquele dia em particular.
Exigente e imaginativo, confessa que, ainda hoje, primeiro inventa o nome dos pratos e só depois pensa como é que os vai trabalhar, testando e ensaiando várias versões até se sentir satisfeito com o resultado final.
A opção pela matéria-prima fresca e da melhor qualidade, bem como por produtos caseiros – alheiras, vinagretas, fumados, presunto... – reflecte-se na carta variada, que muda diariamente e, sobretudo, despretensiosa, pois tanto pode apresentar uma terrina de foie, como umas tripas à moda do Porto, um bacalhau assado na brasa ou uma lagosta suada.
Desta vez, a aposta revela-se acertada e, a partir de então, os 400 metros quadrados do São Gião, com capacidade para 100 pessoas, passam a estar permanentemente cheios, sobretudo ao almoço, o forte deste espaço amplo e luminoso, de janelas rasgadas sobre vários hectares de vinha e onde a imensa lareira feita de uma só peça de ferro domina a sala, criando um ambiente acolhedor e confortável, quase familiar.
Mais de uma década depois, em 2000, o êxito alcançado com o restaurante de Moreira de Cónegos leva-o a tentar replicar o mesmo modelo em Matosinhos, embora num espaço um pouco mais pequeno, de apenas 60 lugares. Uma vez mais, volta a pegar nos tachos e nas panelas e a liderar a cozinha. Novo sucesso e, durante um ano, tem a casa sempre cheia, almoços e jantares, até que um enfarte provocado pelo excesso de trabalho obriga-o a parar e a levar uma vida mais regrada. Depois de recuperado, regressa às origens, ao seu São Gião de sempre que, entretanto, fora acumulando distinções (por exemplo, ser considerado um Bib Gourmand pelo Guia Michelin, a posição anterior à da ambicionada estrela).
Com Miguel Moreira, proprietário da belíssima Casa da Penha, em Guimarães, lança também um serviço de catering para festas e eventos. Mas em 2005, um amigo (e futuro sócio), chama a sua atenção para um espaço invulgar junto ao Porto de Leixões, na chamada “rua das marisqueiras” – um antigo armazém de salga de peixe com um pé-direito de mais de nove metros e, não menos importante, um parque de estacionamento em frente. Incapaz de resistir ao desafio, Pedro Nunes inaugura, em 2007, o quarenta e 4 (o número da porta), um restaurante com um conceito de cozinha muito semelhante ao do São Gião, embora apresentada de uma forma mais trendy, mais cosmopolita, onde a estética e o design marcam diferença, tanto na forma de empratar cada receita, como nos pormenores da decoração. Duas imensas clarabóias iluminam os dois andares recuperados, onde sofás de veludo vermelho, madeiras em decappé e lustres de cristal apelam a uma clientela urbana e noctívaga, adepta de jantares longamente saboreados que se estendem noite adentro e nos quais o vinho é sempre um acompanhante cuidadosamente seleccionado. Logo à entrada e em grande evidência, a garrafeira variada faz as honras da casa.
Mas se no quarenta e 4 o ambiente é, sem dúvida, mais sofisticado que no São Gião, as bases da cozinha são praticamente idênticas. Como homem do Norte, mantém-se fiel às suas raízes e às tradições gastronómicas da região (não dispensa o forno e o fogão a lenha), bem como à influência galega, sobretudo na forma de preparar peixe e marisco, um dos pontos fortes da carta, já que o restaurante tem viveiros próprios. E, claro, a mesma despretensão e entusiasmo que sempre o caracterizou: prego em pão do quarenta e 4 ou canja de gambas com morangos, espuma de bacalhau ou joelho de porco com enchidos.
Não importa o grau de complexidade na confecção, pois tudo são especialidades.
Basta provar.